segunda-feira, 6 de março de 2017

14. (Gisela Campos)

Foram necessários quatro anos, seis dias, 12 horas e exatos 47 minutos para que Manuel chegasse àquele que seria o instante decisivo, o momento da verdade, como se durante todos estes anos fossem apenas um ensaio  para este justo e preciso minuto, como se só agora pudesse-se dizer que passava a existir de verdade, como se a própria palavra verdade ganhasse enfim um novo sentido: poderoso, mármore lavado brilhando ao sol, e não era apenas um se, era mesmo uma nova e pujante verdade se descortinando diante de suas retinas; mas voltando ao que agora nos interessa, foram necessários quatro anos, seis dias, 12 horas e exatos 47 minutos para que Manuel estendesse as mãos: era tamanho o seu passado, tanto o desatino, (que intensa fora sua busca), nomes e lugares flutuavam pelo quarto como a poeira quando refletida em fresta de luz: San Francisco, Dominique Lapin, Kyoto, Rue de Saint-Anne, destinos que o levaram longe mas acabaram por trazê-lo para ali, aqui, para este solitário agora quando Manuel é apenas um homem assombrado pela busca e pela misteriosa frase "que sejas do mundo como foste minha", o telefone toca trim, trim, trim, o terceiro toque anuncia o momento pelo qual Manuel esperara por quatro anos, seis dias, 12 horas e 47 minutos. Respira fundo e, ao tirar o telefone do gancho, todo aquele estado aquático a que se acostumara nos últimos anos se adensa, o quarto vira uma pedra de gelo, todas as palavras que deslizavam no ar desabam pesadas, e do que sobrou do destemido Manuel que um dia ousou desbravar o Japão, só se consegue ouvir um sopro tímido de voz, praticamente um sussurro: "sim?"

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