segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

13. (Bernardo Martins)

Acordou de sobressalto. Respirou fundo de forma a aliviar a pressão no peito. Sentia o coração a palpitar, estava acelerado.

Pouco passava das 9 da manhã. Estava deitado e o olhar seguia as sombras que passeavam pelo tecto do quarto. Lentamente voltava a si. Pegou na foto e olhou-a antes de fechá-la na mão. Voltou a perder-se nas sombras.

Tudo lhe tinha parecido tão real, o cheiro das flores ou o leve passar dos dedos pelas folhas enquanto percorria a loja. E a imagem de Ana? Uma mera ilusão, uma distante imagem à qual se agarrava. Haviam passado 4 anos desde que partiu, 4 anos sem notícias. Não se conseguia lembrar dela de outra maneira, a menina que se agarrava às suas pernas, as milhares de vezes em que ela lhe perguntou o porquê das coisas ou as noitadas que fazia para a ajudar com trabalhos. Tudo mudou de repente, havia-se tornado demasiado penoso recordar.

O toque do telefone interrompe o seu pensamento. O inusitado telefonema fez a ansiedade voltar a apoderar-se dele. Atendeu depois de três toques. Do outro lado, notícias de Ana.


O seu coração afundou-se.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

12. (Ana Botelho)

Agora viajava por outra história, ou por outro livro?!

O rio corria calmo e lento, com um sol brilhante, e para ser o homem mais feliz à face da terra bastaria ver concedido um desejo. Bastaria encontrar a mulher da fotografia que trazia no bolso. Pensou, quase a implorar aos ventos, que um empurrão trouxesse o tal desejo.
Veio uma brisa maravilhosa e ele fechou os olhos, empinou o nariz e inspirou o mais profundo que conseguiu.

Abriu os olhos e viu-se numa florista, cheia de cor e perfumes maravilhosos que lhe preenchiam o olfacto. Olhou à volta e sentada atrás de uma mesa velha de madeira estava uma menina, delicada, com braços e pernas finos, longos e elegantes, e um corpo apertadamente pequeno. Tinha um aspecto exterior distinto como se fosse uma boneca de porcelana.
O rosto, esse era espantosamente parecido com a fotografia que continuava no seu bolso. Aproximou-se dela.

Ela com uma voz fina disse: Estou á tua espera! Demoraste a chegar!
Por um instante o seu peito encheu-se dolorosamente da memória da figura da sua filha.
Como é que fizeste…isto…?
E ela, com os lábios vermelhos, olhou-o fixamente e disse num tom de voz sério, como que de oração:

Acreditas? Estava aqui, estive sempre aqui!

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

11. (Francisco Feio)

Uma livraria é um mundo e Manuel sabia-o. Ou melhor; é um universo povoado de mundos. Cada livro é uma porta aberta para o desconhecido, um convite para uma viagem incerta. Nunca sabemos de onde partimos, onde chegaremos e se pelo meio não saltaremos de livro em livro, de mundo em mundo. Uma livraria é uma vasta rede de possibilidades e as conexões infinitas.

Lembrou-se que tinha sido através de um livro que tinha aparecido pela primeira vez em Paris, muitas livrarias atrás. Tinha entrado por acaso numa livraria meio obscura numa terreola remota do Japão, já não se lembrava bem em qual das suas visitas. Levava no bolso a fotografia que sempre o acompanhava e que era a razão da sua viagem. Ao folhear um livro antigo, daqueles que tinham as fotografias coladas nas folhas, entre o texto, encontrou uma imagem de um caminho junto ao Sena. A imagem estava dobrada num canto; lembra-se de alisar a fotografia e ficar a olhar longamente aquela paisagem (quase) deserta junto ao rio; ao fundo via-se uma silhueta difusa de uma pessoa. Pensou que gostaria de estar ali e ser aquela sombra numa outra fotografia de um outro qualquer autor.


Dirigiu-se à porta e despediu-se do velho casal que presumiu serem os donos. Quando fechou a porta atrás de si e levantou o olhar, reparou que o espaço estava completamente diferente daquele que tinha visto a caminho da livraria. Virou-se de novo para a porta da livraria e deu com uma parede. Voltou-se de novo e estava ali, no sítio que tinha acabado de ver. Incompreensivelmente calmo, levou a mão ao bolso; a fotografia continuava lá.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

10. (Patricia Miranda)  

Estes pensamentos perseguiram-no o resto do seu dia.
Riu, consigo mesmo. Nesta viagem redescobriu a sua alma de viajante. Diria mesmo aventuroso! Riu novamente e adormeceu no seu quarto de hotel.

Acordou sentindo o sol de Julho na sua cara. Olhou para a foto. Novamente a foto...
Sentiu-se entusiasmado, talvez até optimista. Iria atrás da identidade da sua filha Ana.
Sim, tinha a certeza! A certeza de Pai. A fotografia e a sua filha eram uma só!

Apressou-se para a Rua Saint-Anne. Lá, iria perceber melhor como uma fotografia da sua filha, tinha o nome de Dominique Lapin. Como foi parar a essa foto? E os trajes orientais? Estaria bem?
Quis acreditar que sim. Melhor, queria salvá-la, como não conseguiu no passado...

Continuou a caminhar só parando no seu destino. Deixou o pedrejado e entrou numa livraria, com uma expectativa incerta e quase eufórica.
Munido do seu livro e com a fotografia de Ana no bolso dirigiu-se ao velho casal, que se encontrava atrás do balcão.

Casal simpático, pensou...